sábado, 18 de outubro de 2008

2006 - Quatro poemas e uma frase em revolta

Às vezes parece ódio
vejo lâminas a retalharem-me o corpo
reflexos de aço nú e luz estridente…
ouço-os rir.
Mas guardo a pele intacta,
o olhar incrédulo
o cérebro néscio
o coração assustado.

Às vezes sei que me escondo
num lugar pequeno e escuro
Soluço como quem se embala
E espero que passe.
Mas a vida não passa quando não é vivida,
a vida perdura…
Se não sais da dor a dor não sai de ti,
se não sais do medo ele come-te as entranhas.

É por isso que todas as inspirações são poucas
e todos os desejos são vitais.

2006 - Quatro poemas e uma frase em revolta (2)

Estou cansada das lutas do amor
que esvaziam o amor.
De ser “demais” ou nem tanto,
de os queimar a todos,
de me fazer pequena para que fiquem,
de ser dominada, usada e largada
como merecem as mulheres que se fazem pequenas para que eles fiquem.
Ainda assim,
está-me no corpo como um vício,
e a dada altura
qualquer coisa no meu peito se contrai
e todo o meu ser grita “abraça-me!”
E como sei que não é isso que quero
porque não quero voltar a anular-me e a perder-me de mim
fecho os olhos e abraço-me eu mesma
e murmuro “já passa”…

Creio que cheguei a um beco sem saída.

2006 - Quatro poemas e uma frase em revolta (3)

Tu.
Caiu-me da boca e estatelou-se na mesa
à frente do ecrã.
Tu.
E fiquei a olhar para ele sem saber bem quem era.
Porque me pareces tão familiar? E que direito tem ele, este Tu, de cair assim da minha boca,
e ficar estatelado a olhar para mim,
como um desafio…?
Uma pequena esfera metálica
que rebolou para dentro do meu peito e se alojou algures
entre as costelas flutuantes e o medo de amar.
Um grão de pimenta (da mais forte).
Tu.

2006 - Quatro poemas e uma frase em revolta (4)

Uma de mim
rebola nua e tresloucada
na parede metálica de uma sala sem arestas
de onde não sei sair.
As outras, nada.

.
.
.


É necessário explicar?
Digo-te que tenho estado fechada – e todos os comos e porquês são impotentes para explicar isto, a razão de uma pessoa se fechar ao mundo.

ainda 2006 - Dias de Sol

Já tanta prosa me passou pela cabeça,

tanta coisa que quis dizer e não disse.

Não escrever, é como deixar fugir o chão de debaixo dos pés. Sempre foi a escrita que me escorou no mundo, que me deu a noção do Real. Não o Real comum do mundo partilhado por todos (a esse só tarde tive acesso…) mas a noção do Meu mundo, do Meu Real.

Por mais que eu queira o equilíbrio e a Vida não consigo deixar de ter saudades desse mundo, desse fogo, dessa forma de estar apaixonada por mim e por Tudo. Pode a paixão ter equilíbrio? Tem que poder... Tem que poder, porque se eu me perco morro, mas se a perco nada faz sentido...



Esperar pela escrita.

Esperar pela envolvência que nos arrebata e nos leva para esse estado.

Sem ela não sei escrever, nada soa...

2006 - mais escrita auto-reflexiva

(vale como parte da minha história...)

É que como eu me vejo, se tivesse que nos desenhar agora,
tu serias uma figura cheia, de corpo presente e irradiando energia
e eu seria uma casca,
como as peles estaladiças dos caroços que secam ao sol
sem nunca chegarem a germinar.

Por isso procuro alguém em quem “entrar” para germinar…
Alguém com um fogo igual ao meu,
Alguém que entenda
mas que me dê tempo e um espaço seguro para crescer e chegar a ser
o que de facto sou.

Vai ser difícil acontecer assim porque eu me vou sobrepor ao processo,
desfazendo-me em utilidades várias que me permitam
lidar com o meu medo da rejeição e do abandono,
até que toda a relação seja apenas sobre mim e os meus afãs de agradar
e a outra pessoa se farte e me afaste.

Não! Não… Assim não.

2006 - notas soltas



...Nesta altura, a palavra-chave que repito constantemente é “estranho”. Tudo me é estranho, tudo me parece imperceptível… Como se entre mim e o mundo houvesse uma parede de vidro – nem isso, de um acrílico grosso, já amarelecido e estalado pelo sol, baço e com bolhas e riscos como os corta-ventos dos bares de praia da nossa infância.



...

Maio de 2006 - Lamento de um cego arreigado ao que não vê

(usando a escrita como bisturí)

Eu sou de mim as partes por outrem queridas
e da inconstância dos quereres se constrói a imagem de mim mesma.
Descontínua, intermitente, frouxa,
entre apaixonada e mal-amada se vai tendo,
massa informe à mercê do amor alheio.
Mas como excele nisso! Capaz de ser quase tudo e menos mal, anda perdida
por não ser nada
completamente.
Oh quem me dera bastar-me a mim mesma
e saber o que sou com mais prazer e qualidade…
Quem é a rapariga que em mim viaja,
eu que comando o seu corpo,
algoz das suas potencialidades…
Quem me dera saber - para guiá-la -
ou conseguir largar - para deixá-la ir,
e alojada nela assistir ao desabrochar de uma existência.
Nascer não é difícil…
Acordar para a Vida,
Amar a Luz!
Mas depois disso, saber ouvir a alma
encontrar-lhe o caminho, a felicidade…
Ou então largá-la, deixar que a encontre!

Mas como? Não vejo nada…

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

nunca escrevo

nunca escrevo, nunca escrevo
traga tempo, traça dias
nunca escrevo...
levada para longe pelas confusões quotidianas,
sou emigrante de mim
sem ter sequer a proverbial mala.
escrevo na memória
pequenas notas literárias
que se escoam também entre os miolos revoltos.
não há tempo, não há tempo...
nunca escrevo, nunca escrevo.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Gosto de grão...

Os dias sucedem-se em catadupa; coisas acontecem como ondas, sem sentido outro que não o de acontecerem, nos solicitarem, nos forçarem a mão. "Não, não vais por aí..." murmuram-me ao ouvido com escárnio. Sinto-me imersa, impotente. Um esforço tremendo para não desistir. O Amor que me vai mantendo perto da superfície, que me vai ajudando a aceitar que a normalidade não existe e a loucura é um estado permanentemente passageiro. E de loucura em loucura resisto e continuo; e continuo; e continuo.

Depois há uma outra dimensão secreta onde me retiro e observo tudo isto, quando o meu coração não está demasiado imerso nos redemoínhos de água areia e espuma do meu quotidiano. Aí, dir-se-ia que o tempo parou. Estou só, mas sossegada. E consigo por vezes descortinar laivos de sentido na balbúrdia.

(...costumava até ver um sentido global, muito antes de conseguir observar as ondas que me embrulham, mas esse ecrã espelhado estilhaçou-se - desgraça providencial! - há bastante tempo...)

Nada de muito significativo. Nenhum desses "sentidos" que nos salvam, que nos indicam o caminho a seguir (renego as malditas ilusões e miragens!). Apenas pedaços de sentimentos que resistiram à loucura global e se mantêm presentes. Afastados, riscados, puídos, cheios de grão... mas continuam ali. E devem ser neste momento aquilo que mais me segura e reconforta.

Aprendi... a gostar desse grão.