terça-feira, 1 de setembro de 2009

Terapia da escrita

O velho mandou-a sentar-se. Como faziam todos. Ouviu-a e pareceu fascinado. Quanto daquele enamoramento seria falso? Nenhum outro médico usara aquela abordagem. Mais do que lisonjeada, sentiu-se traída. “Se este concorda sempre e idolatra tudo o que eu digo, não vai conseguir tirar-me disto…” Ainda assim, estava disposta a tentar, não fosse a despedida com aquele forçado beijo na boca. “Velho de merda!” Mais um que aqui anda a aproveitar-se da fragilidade dos outros para se regozijar na sua. Nunca mais lá voltou.
Mas houve uma coisa que o velho disse que acabou por permanecer sempre firme dentro de si. Uma promessa de recurso, como as rezas das avós, noite alta, velas acesas às santinhas de casa. Disse-me “Escreve. Escreve isso tudo.” E hoje estou tentada a dar-lhe razão. Não pela qualidade da minha escrita, cujas precoces promessas se terão esfumado já há muito pela falta de trabalho e por outros excessos. Hoje, a minha voz no papel quase me irrita, soa pomposa e intermitente, como retalhada por lâminas (as mesmas que me cortam por dentro… por fora nunca o fiz, teria sido terminal). Mas as faculdades terapêuticas devem manter-se intactas. E resolvo tentar.

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