sábado, 31 de janeiro de 2009

Granelizado de ideias

O blog esteve para se chamar assim. :-P São demasiadas as ideias a granel, em barafunda... e pesam-me as tentativas frustradas de as fazer levedar.
Não faz parte de mim esse recolher, calcular, esconder, esse bluff social dos tempos modernos. Ainda aceito ser a actriz de Goffman, mas jogadora não sou.
Por isso escrevo. Agora, aqui, à luz do dia.
É uma espécie de libertação. E unificadora. De repente faz sentido dizer, e dizer tudo de uma vez: ideias, sentimentos, escrita, música, imagem... e sonhos, e projectos, oferecer projectos, dar asas às criações e deixá-las fazer o seu caminho. Abrir as mãos, abrir o coração... Abrir!

...e esperar encontrar ecos das viagens que façam as coisas que saírem de mim. Como um velho marinheiro cumplicemente sentado no cais.

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Acabei por fundir neste blog o anterior, "Vidrilho", que fora criado apenas para a escrita, actual ou recuperada em cadernos antigos. Tenho escrito menos, e quando escrevo acabo por colocar aqui, por isso... não faz sentido manter os dois.
Um pouco menos de esquizofrenia é capaz de ser um volteface refrescante! :-)

2008, Março - uma sombra na sola do sapato

Preciso descolar-me de ti.
Vens-me presa à sola do sapato como uma sombra,
como um desejo usado, uma pastilha elástica (idílico cor-de-rosa),
e não entendo porque ainda me prendes.
Porquê agora que a felicidade chegou?
Porquê agora que começo a encontrar algum equilíbrio e rumo,
agora que os sonhos se confundem com projectos
e o caminho se reafirma, glorioso e partilhado?
Escrita é ilusão,
e eu escolhi a Verdade da vida…
E se deixei a escrita não foi por me ter perdido mas por me ter encontrado,
longe dela.

Tudo o que é Mau está aqui:
o passado, a mentira, o drama,
o peso de uma herança cultural demasiado exigente.
A minha mãe está aqui.
E eu renego-a.
E renegava-te a ti, se conseguisse escolher.
Mas não. Conheceste-me a escrita, e é na minha própria voz que me assombras agora,
num último delírio infundado e negro.
Pensei tocar-te. SEI que era mentira. Mas então, porque me persegues agora?


Sim, preciso da escrita. Nada tem a haver contigo. Preciso, simplesmente, de comunicar. Preciso de quem me entenda. Daquela ilusão de proximidade interior. De me achar um pouco menos “irremediavelmente só”.
Mas também isso é uma ilusão.
Tu a derradeira ilusão, televisionada e produzida enquanto tal.
Tu fria, narcisista, quase interesseira.
Porque te procuro?
Depois da desilusão, do esquecimento, porque te procuro de novo?
Devo ser louca…

2008, Março - ...continuação da sombra

As pessoas não são inteiras.
As pessoas não são unas, de uma matéria só.
Todos somos retalhos de contradições,
pedaços de outras pessoas,
memórias.
Todos somos furacões de antagonismo,
procurando uma direcção, um sentido,
ou simplesmente avançando e tragando tudo à nossa passagem.
O retalho de mim que tocaste há dois anos
estava escondido no fundo da pilha do eu.
Agora veio ao de cima e procura o seu par ficcionado.
E estou pronta para o cortar de mim! Já tenho par! Já conquistei a minha felicidade!
Mas algo me ata.
“Tens que escrever. És maior do que isso. É o teu Destino.”
Manias de grandeza da minha mãe que ainda não lavei de mim.
Não as quero!
De certeza que é isso…
Senti-as chegar, sorrateiras,
enxaguei-as de Sol e pendurei-as a arejar,
mas nada.
Aqui continuam.
Merda de manias. Não As Quero!

Gostava, claro, de escrever assim a alguém,
e ser correspondida…
Alguém que eu não conhecesse,
que não viesse nunca a tocar, a sentir, a cheirar,
a fazer arrepiar a penugem do pescoço.
Gostava de escrever como quem conta segredos para dentro de um poço,
e recebe a resposta do reflexo.
E depois afastar-me do poço e ir à minha vida,
sentindo-me ao mesmo tempo acompanhada e segura,
sabendo que se eu precisasse, alguém responderia,
e que o poço tudo tragaria sem deixar sair nada.

Um dia não vou desejar um poço,
mas a Luz do Sol, desabrida e nua numa praia deserta.
Nesse dia, estarei à altura de quem me Ama.


Amo-te, Mi… Tem paciência comigo.

2008 - Protesto

Cravei o Amor no peito como um pé de cabra.
Sem pejo nem preceitos.
Enfiado à bruta pelo externo, direitinho ao coração.
Mas nada. Continuo fechada e insensível.

2008 - ...excerto de férias... monólogo de wc

Férias. Ainda não as sinto…
Dói-me o corpo todo por ter dormido no colchão furado, acordei em parábola! Talvez hoje, com o mergulho na lagoa.

Acordei também com uma sinfonia de guizos, um rebanho pastando junto à cerca do parque. E ainda estou esperançosa quanto às férias. A expectativa sabe bem.

A Mia tenta dormir um último sonho que a console do frio e do colchão. Eu tento esvaziar a tripa para seguir viagem… Dura tarefa, por isso vou escrevendo, que é o entretém que tenho à mão.

Entra uma mãe. Urina sonora e bem medida. A filha, um cutumiço de mijo. Que idade terá?
Nos azulejos brancos do cubículo onde estou dorme um bicho preto de patas altas. À medida que o sono se aprofunda, descai sobre as patas que estão mais em baixo, de maneira que está já quase deitado de lado, pendurado das outras…
Que engraçado! Agora acordou e estica as patas que estiveram dobradas, numa espécie de ginástica matinal que faz lembrar um filme antigo… Lava as antenas e hop, lá vai.
E eu a vê-lo passar…